Emoção para mim sempre esteve em coisas simples. Eu, quando ainda era pequeno, morava
na maior capital brasileira, uma das maiores cidades do mundo e de casa quase nunca saia.
A maior conexão com o mundo sempre acontecia nos dias que meu pai estava em casa quando voltava da viagem. Morávamos próximo a Serra da Cantareira, numa rua íngreme, Rua D. Pedro II a julgar pelo nome parecia importante mas ao final desta rua tínhamos um convento e logo perto em outra rua, um cemitério. Um lugar cercado pela dor do sorriso das freiras e alegria no choro daqueles que vêem nos mortos uma boa forma de se recuperar na vida.
Os meus ouvidos e os do meu irmão tiveram sido treinados desde pequeno a captar os roncos do caminhão do meu pai. Bastava ele subir a ladeira que já sabiámos que era ele que retornará para casa. A alegria contagiava, o homem que carregava em si toda a alegria do mundo estava de volta. Um pouco cansado, mas feliz. Tão contente quanto a personagem de Clarice Linspector em "Felicidade Clandestina". Não precisa de presente, não precisava nenhum doce. Era apenas a pureza e leveza de um homem de coração bom, até hoje é assim. Para tornar esta história um pouca menos subjetiva existia apenas um troca material nesta relação, eu e meu irmão não dispensávamos ficar dentro da cabine do caminhão.
Meu pai além de um homem bom também era muito forte e decidido. Mas como todo homem com estas características ele também tinha a chance de ser um pouco imprudente. Foi num dia como qualquer outro, que a carreta (carroceria do caminhão - parte de trás para os leigos em caminhões) não estava carregada que meu pai saia para fazer reparos no cavalinho (parte dianteira do caminhão). No dia anterior, meu pai tinha trocado as baterias do caminhão e espera que tudo estivesse funcionando corretamente. Mas não foi isso que aconteceu na manhã seguinte. Os caminhões mais velhos só saem do lugar quando um balão de ar esta cheio e então fica habilitado para frenagem. Como as baterias não funcionaram, o motor também não e finalmente o caminhão não era capaz de freiar. Então surgiu a triste idéia de ligar o caminhão no tombo, que só é feito com automóveis. Meu pai pediu que eu e meu irmão saíssemos do caminhão e que ficassemos na calçada. Quando ele tentou colocar o caminhão no tombo não funcionou e o ar comprimido acabou, o caminhão estava desgovernado e meu pai estava dentro dele e numa ladeira íngreme.
Então eu e meu irmão presenciamos aquela que seria a pior cena da vida, a morte do pai e nada não poderíamos fazer. Na nossa rua haviam várias árvores antigas, afinal morávamos próximo a uma floresta. Então meu pai bateu na primeira árvore e não adiantou o caminhão ainda estava em velocidade alta, segunda árvore e o desespero aumentava, será que ela estava machucado? A cabine já estava toda amassada então como Judas que negou cristo por três vezes estava meu pai chocando contra aquele que seria o seu terceiro suspiro de vida. Corremos, cheguei a cair quando ia em direção ao caminhão esperando encontrar os distroços da minha felicidade. Foi quando ainda estava na metade da ladeira e vi o homem mais forte do mundo sair lentamente daquela cabine irreconhecível. O meu choro não parava ainda que eu o visse inteirinho sem arronhões.
Em casa sentado, pela primeira vez vi meu pai chorarava e dizia que tinha vontade de URRAR como seu signo pedia.
Hoje sou um pouco mais velho e mesmo morando longe do meu pai posso ouvir sua risada a quilômetros e o ronco do motor ainda me acorda para a felicidade.
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